Crises miltonianas e interdisciplinaridade

O IHAC, enquanto modelo de instituto que pleiteia transformações na universidade, está muito distante de experienciar os caminhos críticos que desvelem renovação e movimento das idéias em função de descobertas e propostas estruturantes para um devir diferenciado. Há um gigante abismo entre reforma e mudança revolucionária. Entre a publicidade do novo inventado e o novo que não se inventa. A ação revolucionária pressupõe percursos compositivos que abriguem a crítica como elemento fundante das aplicações, das tentativas de descoberta do novo. A reforma quase sempre se abriga em aparelhagens verticalizantes, que aguçam de tempos em tempos, suas sondagens, seus instrumentos midiáticos, suas engrenagens coercitivas com um sistema despótico que prescinde da crítica.

A busca por preocupações epistemológicas, que ajudem à compreensão da cena em crise, que ajudem a produzir um tecido rico e transformador para a universidade, encontra gigantescas limitações ao debate. Limitações que criam enormes obstáculos para o vir-a-ser do próprio IHAC-UFBA. Para que a prática pedagógica do IHAC desvele caminhos para experimentações de novas “arquiteturas curriculares” é preciso estar atento, em primeira instância, com suas falibilidades de compreensão epistemológica. Em Por uma geografia – Da crítica da Geografia a uma Geografia Crítica, Milton Santos nos alerta que “não há interdisciplinaridade que possa ser aplicada a uma colcha de retalhos” e que “(…) fazer progredir uma ciência particular não é privilégio dos seus próprios especialistas”. A interdisciplinaridade não é concretizada na ciranda, ou no rodízio, dos especialistas, mas sim na incorporação de um aparelho conceitual adequado, que exercite dentre as faculdades críticas, concepções filosóficas coerentes à imbricação entre as disciplinas. E isso, creio eu, está a léguas de distância do experimentado no IHAC. Legitimar a interdisciplinaridade como um jogo de rodízio de professores é evidenciar o quão frágil e deformada é esta compreensão.Há muito mais uma “interdisciplinaridade mercantil”, que contribui para regressões, por razões despóticas ou por incapacidade intelectual, do que uma construção epistemológica que antes compreenda a interdisciplinaridade e posteriormente a aplique.

Enquanto isso, a “tirania da informação”, para me apropriar novamente do pensamento miltoniano, faz valer os depoimentos que festejam o revezamento, que imaginam que buscaram a interdisciplinaridade (?) como mote que salvaguarda a experiência da troca; e dessa forma, avaliam positivamente o semestre do IHAC. O instrumento de comunicação oficial do IHAC não deve servir para a construção tendenciosa das informações. É preciso pedir licença para isso. Uma licença oficial que exponha a informação ao crivo crítico do corpo docente e que acolha, sem clivagens, os pensamentos que se diferenciam.

Seria muito bom se fossem provocadas na universidade “crises de transformação e renovação” ou “crises miltonianas” como Naomar de Almeida Filho as nomeou. Porém, parece que é preciso perceber que as teses de Pierre Bourdieu, que abrem o seu ensaio1 sobre a crise na universidade, nos chegam como ressonâncias afirmativas de um sistema que se perpetua. E por mais pessimista que seja, dentro da percepção da crítica do reitor da UFBA, Bourdieu nos evidencia as engrenagens de uma universidade que fazem funcionar o aparelho “politicamente apropriado”. Os caminhos abertos pelo pensamento de Milton Santos, caminhos críticos por excelência, não compactuam com o amorfismo intelectual verticalizante, despótico, legitimado e sem autorictas que impregna o IHAC.

1FILHO. Naomar. “Cinco teses sobre a crise…”. Folha de São Paulo, domingo, 5 de Julho de 2009.

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