fidelidade e endogenia universitária

No fim da década de noventa, precisamente em 1997, Milton Santos reflete, em entrevista ao jornal O Tempo, sobre os processos da endogenia universitária, onde a rede de compromissos e a troca de amabilidades entre os partners permanentes, reduz consideravelmente a vitalidade da vida acadêmica. O desejo de poder dos corpos dirigentes, no intuito de suas permanências duradouras, provoca a formação de uma socialidade particular, que esquadrinha a universidade em prol de um sutil jogo político.

Entre jogos e sutilezas, a universidade é esboçada nos arranjos e compromissos que são, como bem nos faz lembrar as palavras de Milton Santos, externos às atividades propriamente acadêmicas. Desde os processos de escolha do corpo docente às sondagens e distribuições dos cargos de mando, a vida acadêmica se concretiza nos chás, nos jantares, nas festas. E é nesse momento que a endogenia universitária veste o seu manto partidário, em detrimento da busca de uma socialidade que abrigue a crítica como formação e trabalho do intelectual. A missão intelectual, do professor e pesquisador, é subtraída pela fidelidade dos enturmamentos.

A fidelidade se realiza no silêncio e no pacto da mais valia universitária, fundamentalmente pautados pela instrumentalização do marketing institucional que pleiteia o novo como objeto de composição diferencial, no intuito de se tornar palatável ao público, ao mercado, à mídia e à própria carreira universitária. Porém, em meio a tantas crises que inundam as tessituras da universidade, é preciso perceber que a manutenção dos fiéis fidalgotes provoca apenas a repetição da mesmice articulada e extenua qualquer caráter de inovação. E é importante pensar, como nos mostra Milton Santos, que “a fidelidade reclamada não pode ser à universidade, e a ela não temos razão para ser fiéis. Nossa única fidelidade é com a idéia de universidade. E é a partir da idéia sempre renovada de universidade que julgamos as universidades concretas e sugerimos mudanças.” Enquanto perdurarem os sistemas de acordos tácitos, as ostentações dos corpos dirigentes, o cômodo fidelismo dos grupos acríticos, a universidade vai perdendo seu verdadeiro poder de transformação.

SANTOS, Milton. O geógrafo de campos e espaços. In O Tempo, setembro de 1997.

SANTOS, Milton. O intelectual e a universidade estagnada.

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